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Para Ogari Pacheco, fundador da Cristália, gestão do abastecimento deve ser feita pela indústria

20.mar.2021 às 13h00

SÃO PAULO

Ogari Pacheco, fundador do laboratório Cristália, um dos maiores fabricantes de medicamentos usados na intubação de pacientes com Covid-19, que recebeu do Ministério da Saúde uma requisição formal dos produtos, diz que a crise de abastecimento não foi um problema originado na indústria.

O empresário afirma que alguns hospitais fizeram pedidos maiores do que o necessário para o consumo de curto prazo, garantindo estoques. Daí a necessidade de fracionar o fornecimento, segundo ele.

O empresário Ogari Pacheco - Carlos Cecconello/Folhapress


"Negociamos a entrega parcelada. E 99% dos hospitais aceitaram. Houve um grupo pequeno que não aceitou. Foi por isso. Deu esse banzé todo por causa disso", afirma Pacheco, que também precisou de intubação no ano passado, quando foi infectado.

Ele afirma que, em poucas semanas, vai entrar em funcionamento uma nova linha de produção, que sofreu atraso porque os técnicos alemães adiaram a viagem com medo de vir ao Brasil e se contaminar.

Pacheco, que é suplente do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, e já recebeu visita de Jair Bolsonaro em fábrica da Cristália, afirma que não relatou o problema ao presidente. Diz que, ao ver a demanda explodir desde o ano passado, apenas trabalhou no aumento da produção.

Também fabricante da cloroquina, Pacheco afirma que nunca estimulou a venda do produto, que fornece para hospitais, não para o varejo farmacêutico.

O empresário diz que acaba de receber três propostas de universidades que estão desenvolvendo novos projetos de vacina e está analisando.

O que está acontecendo para faltar esse tipo de remédio?

Eu disse em uma reunião ontem que isso me parece aquela situação: em casa onde falta pão, todo mundo grita, e ninguém tem razão. É uma metáfora. Está faltando produto. Então, todo mundo grita. E ninguém tem razão.

Os donos dos hospitais fazem seu lobby, sua pressão política, e conseguiram que o ministério solicitasse uma requisição administrativa de produtos. Ontem, nós tivemos uma reunião, e eu os fiz ver que essa não é a melhor solução. Por quê? Primeiro: onde alguém pode imaginar que eu possa querer sonegar produto? O produto foi feito para vender. Não é para ficar na prateleira. De nossa parte, seria um absurdo.

O que ocorre é que, quando muita gente quer a mesma coisa, aqueles que têm mais poder econômico, aqueles que são maiores, colocam pedido maior. Por quê? Para ficar com o estoque em casa. Ele quer gerir o estoque dele.

Tem hospital fazendo mais pedido do que o necessário para eles próprios estocarem?

Entenda bem: eles vão dizer que estão pedindo porque sabem que vão precisar. Mas nós temos o controle do consumo dos hospitais do Brasil inteiro. Somos nós que fornecemos. Dos 30 produtos [usados na intubação], nós produzimos 24. E produzimos até agora sem nenhum problema.

O que está acontecendo: se comparar a produção no primeiro pico da pandemia no ano passado, com o que eu estou produzindo agora, é quatro vezes mais.

Não somos mágicos. Adotamos artifícios que vão desde rodízio de horário de almoço de funcionário até expansão dos turnos. São 30 dias por mês, 24 horas por dia. Isso quadruplicou a capacidade produtiva. Em um ano.

Não vou dizer que o hospital não precise do produto. Não é isso. Quando ele me pede mil unidades de qualquer coisa, ele não vai consumir as mil unidades nesse dia. É uma coisa óbvia. Isso é para consumir durante um certo período. Agora, se eu entrego mil unidade para os maiores, vai acabar faltando para os menores.


Bragança Paulista, no interior de SP, tem UTIs com 100% de lotação


Funcionários da UTI do Hospital Universitário São Francisco Eduardo Anizelli/Folhapress


Daí o tal do fracionamento?

Eles fazem o pedido. Nós negociamos com cada hospital a entrega parcelada. E 99% dos hospitais aceitaram. Houve um grupo pequeno que não aceitou. E foi por isso. Deu esse banzé todo por causa disso. Eles não aceitaram a nossa proposta de que a gente administre. O que significa administrar? Todo mundo pede e eu analiso o que eu tenho.

Você está me pedindo mil, mas não vai consumir tudo em um dia. Então, eu te entrego 250 por semana. Em um mês, te entreguei os mil. Enquanto isso, estou produzindo. Mas não vou deixar o outro sem.

Na conversa que tivemos com representantes do Ministério da Saúde, me pareceu que eles foram sensíveis à exposição. Significa que não vai faltar nada? Não sou mágico para dizer isso. Vai ser a melhor gestão que pode ser feita com o que é disponível.

Na história do cobertor curto, um puxa e descobre o outro. Tem que haver uma gestão criteriosa e desinteressada politicamente. Neste momento, nós estamos com uma linha nova de produção em uma das nossas unidades produtivas, que vai ser capaz de produzir 1,5 milhão de doses por mês.

Essa linha nova foi aberta quando?

Vai acrescentar. A planta já está pronta. As máquinas já estão lá. Os técnicos alemães da fábrica que nos forneceu adiaram a vinda porque estavam com medo de vir para cá. Hoje, eles estão instalando a máquina. Mas, depois que instala, eu ainda tenho que fazer alguns procedimentos, controle estatístico, esterilidade das máquinas. Demora 14 dias para ficar pronto. Imagino que, até meados do mês que vem, essa máquina estará produzindo. Vai ser um reforço importante ao que nós já temos.

E os insumos?

O Brasil produz pouquíssimos insumos farmacêuticos, matéria-prima. Não é só fazer as ampolas. Lá na produção da matéria prima está todo mundo correndo. É por isso que, ainda assim, estamos conseguindo atender a demanda nacional. Eu tenho pendência de uns dez produtos, porque eu atendo 10 e chegam mais 20. É rotativo. Não tem como zerar. Nós estamos trabalhando no sentido de atender o melhor possível.

São hospitais públicos ou privados?

No fornecimento para hospital público, se eu ganhei licitação, eu tenho que honrar e entregar. Tenho negociado a entrega parcelada, e 99% dos clientes, entre eles o governo, se mostraram sensíveis e aceitaram essa proposta.

O que o sr. acha de aumentar a importação neste momento que está faltando?

Primeiro, precisa ver se consegue. Eu tive a minha exportação bloqueada pela Anvisa com o argumento de que, primeiro, temos que atender o mercado nacional. Muito bom, compreensível. A mesma coisa acontece nos países dos outros. A pandemia não é só no Brasil.

Em que momento a Cristália percebeu que estava chegando nesse limite?

Teve o pico no começo do ano passado e foi crescendo. Hoje é muito mais.


Médicos vivem exaustão em colapso no RS

A enfermeira intensivista Rani Simoes de Resende, 32, começa mais um plantão Daniel Marenco/Folhapress/Daniel Marenco/Folhapress


Aí a empresa tomou qual medida? O sr. tem conexões com o governo. O sr. é suplente do senador que é líder do governo no Congresso. Chegou a receber o presidente Bolsonaro em evento na fábrica. O sr. tentou avisar o governo que isso estava acontecendo?

Tudo o que estou falando não sofreu, de nossa parte, nenhuma interferência política. Eu não fui pedir nada para o governo. Só fiz o seguinte: tem mais pedido [de produtos usados no tratamento da Covid, vamos trabalhar mais.

Coincidentemente, é o mesmo kit da anestesia, em que somos líderes na América Latina nisso.

No começo do ano passado, houve uma requisição administrativa. O governo fala: 'preciso disso'. Passam dois caminhões do Exército e levam. Nós argumentamos que não é por aí, que quem sabe administrar melhor os produtos da Covid somos nós. Conhecemos todos os clientes do país. Eu sei quando alguém está pedindo demais.

Pega um hospital grande, quer fazer estoque para três ou quatro meses. É direito dele querer desse jeito. Mas eu não atendo. Vou lá e procuro mostrar que não é lógico. Se eu fizer isso, vou quebrar os outros. Eu não fico retendo produto aqui. Tem um grupo pequeno que disse que não queria, quando eu fiz proposta de entregar em parcela. Ou é tudo ou é nada? Sinto muito. É nada.

Pode nos contar quem são esses hospitais?

Eu digo o que eu fiz e por quê. Fico com a consciência tranquila de que fiz o melhor para o país.

A Cristália também produz cloroquina [para hospitais]. Essa não faltou, embora tenha tido alta demanda?

Não vendo nenhum produto fora do que a Anvisa autorizou. Ela autoriza para algumas coisas, como malária, mas não tem nada a ver com Covid. Na minha bula, que é dada pela Anvisa, só forneço cloroquina para estes fins específicos.

Teve aumento de produção de cloroquina?

Não. Deixei na demanda natural. Nós temos equipe que vende. Nós não estimulamos a venda de cloroquina. Eu não queria ser confundido.

A União Química foi atrás da Rússia para produzir a vacina Sputnik. Vocês têm algum plano? E por que não entraram nisso?

Até antes da epidemia, vacina era Butantan e Fiocruz. Agora, com essa turbulência, começa a surgir uma série de planos. Nos últimos dias, recebi três propostas de universidades que estão desenvolvendo vacina com a finalidade de combate à Covid. Nossos técnicos estão analisando essas propostas para ver se elas fazem sentido. Se fizer, eu entro, mesmo sabendo que estou entrando atrasado. Mesmo sabendo que, quando ficar pronto, vai vender muito menos que as outras.

Eu só aceitarei se o que for agregado em termos de conhecimento signifique valor para a empresa. Ou seja, pode ser que precise de outra vacina amanhã, e eu já tenho um conhecimento. O que hoje não acontece.


Ogari Pacheco, 82

É médico gastroenterologista e pós-graduado pela USP. Em 1969, criou a Clínica de Repouso Itapira, que ficou conhecida como Clínica Cristália e, em 1972, o Laboratório Cristália, em Itapira (SP)

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